Nipotropical

Com uma história cheia de conflitos, a ilha de Okinawa é um pedaço do Japão na paisagem do Sudeste Asiático

Embora seja pequeno em território, o Japão tem mais de 3 mil ilhas espalhadas entre a setentrional Hokkaido, já perto da Rússia, e o Arquipélago de Okinawa, quase 20 graus de latitude abaixo – uma distância que faz toda a diferença nas peças de roupas e nos programas. A duas horas e meia de voo de Tóquio, a ilha ecoa memórias de um passado mais longínquo, influenciado pela vizinha China dos tempos do reino de Ryuky, até os piores dias do século 20. Tudo numa paisagem de Sudeste Asiático, com selvas subtropicais e praias de coral verde-esmeralda que contrastam, logo adiante no horizonte, com o azulão gélido do Pacífico.

Foi nesse cenário de paraíso que, na Segunda Guerra Mundial, os japoneses tentaram deter o único e decisivo combate no país em terra, entre civis. Em abril de 1945, quando os pilotos kamikazes faziam estrago na frota aliada no Pacífico, 200 mil soldados americanos desembarcaram no centro da ilha, em meio a uma “chuva de ferro”, disparada dos couraçados. O norte caiu rapidamente, mas o sul resistiu com fúria. Até que, em agosto, as bombas atômicas em Hiroshima e Nagasaki colocaram fim à guerra e fizeram do Japão o único país a sofrer um ataque nuclear na história.

Okinawa ficou sob o controle dos Estados Unidos até 1972, quando foi devolvida retalhada ao Japão, mantendo até hoje inúmeras bases militares ianques. Essa presença se manifesta nas hamburguerias e nos délis que servem panquecas. Mas a terra do karatê não há de se render.

Na capital Naha, o velho conhecido mix luzes-compras-gastronomia se repete na Kokusai-dori. Destaque nas vitrines para as muitas variações de doce de batata-roxa, para víboras venenosas exibindo suas presas dentro de garrafões de aguardente (encara?) e para as estátuas dos leões Shisa – um de boca aberta, outro de boca fechada –, usados para proteger as casas. Próxima, a rua coberta Heiwa-dori, mais antiga, leva ao Mercado Makishi, que vende peixes e cabeças de porco agu, in natura ou embaladas a vácuo.

POKÉMONS

Às margens da rodovia no sentido norte, correm na direção contrária do ônibus palmeiras escoradas com madeiras para resistir aos tufões; plantações de abacaxi; sepulturas de concreto com pequenos pátios, onde as famílias fazem uma comilança para homenagear seus ancestrais durante o Shiimi (em abril também, aliás); campos de golfe; e os imensos e luxuosos resorts.

Duas horas de estrada além fica o Ocean Expo Park, que abriga o Aquário de Churaumi, um dos maiores do mundo. Os quatro pisos correspondem a diferentes profun-didades do Pacífico, exibindo desde peixes que prosperam nos corais até criaturas mergulhadas na escuri-dão que mais parecem Pokémons. No tanque principal, as estrelas
são as arraias-manta e os colossais tubarões-baleia, criados em cativeiro. Do lado de fora, em frente ao mar, um anfiteatro exibe periodicamente shows de golfinhos adestrados.

No arquipélago tropical, sobram outras 64 ilhas, unidas por uma cultura que é anualmente celebrada no Mori no Nigiwai, festival que relembra com espetáculos de música e dança as histórias e escaramuças do reino de Ryuky, do qual Okinawa fazia parte. Não é uma realidade tão distante de nós: no Kasato Maru, primeiro navio com imigrantes japoneses a ancorar no porto de Santos, em abril de 1908, quase metade dos passageiros vinha dessa terra conflituosa e fascinante.

Viagem e Turismo, março de 2018
© Almir de Freitas