O Japão em dois sorrisos

geisha

Primeiro, o descrito no livro A Cultura Gestual Japonesa – Manifestações Modernas de uma Cultura Clássica, de Michitarô Tada (Martins Editora, 256 págs., R$ 40,50)

Acredito que o sorriso japonês seja principalmente um gesto de autocontrole. E, quando as circunstâncias exigirem um autocontrole ainda maior, até mesmo esse sorriso será coberto pela manga de um kimono. (…) O sorriso como saudação pode ser compreendido pelos estrangeiros. Mas o sorriso de autocontrole, embora às vezes possa impressioná-los favoravelmente, também pode confundi-los. Ainda mais confusa para eles é a transformação que o nosso ‘sorriso de autocontrole’ sofre quando, voltado para dentro, se torna um sorriso (típico, embora mais complexo) torto e forçado.”

Depois, numa passagem do (altamente recomendado) A Vida Secreta do Senhor de Musashi, de Junichiro Tanizaki (Companhia das Letras, 224 págs., R$ 45). O título é emprestado de uma das duas novelas do livro, e  conta a história da formação de um poderoso samurai do século 16. Estranhíssima formação, como se pode facilmente constatar no trecho abaixo, quando ele, ainda menino e refém num castelo sitiado, acompanhava o ritual de preparar as cabeças cortadas dos guerreiros inimigos.

“A garota corria o pente com cuidado pelos fios pretos e lustrosos da cabeça sem nariz e reatava o nó do topete. Depois, como sempre fazia, olhou para o centro da face, onde o nariz deveria estar, e sorriu. O garoto uma vez mais encantou-se com a expressão, e o surto de emoções que o acometeu naquela hora foi de longe o mais intenso que jamais sentiu. A justaposição da cabeça mutilada ao rosto luminoso da garota que ostentava o orgulho e a alegria do viver gerou o contraste do perfeito com o imperfeito, materializando o belo em sua total plenitude. E o sorriso dela, tão inocente e despretensioso, pareceu aos olhos dele, exatamente por causa da situação, ainda mais malicioso e cínico, provocando no garoto uma espiral de fantasias sem fim, e antes que ele se desse conta sua alma foi transportada para um mundo delicioso de sonhos onde ele se transformava na cabeça sem nariz, vivendo com a garota num mundo habitado apenas pelos dois.”

(Publicado em 29/9/2009)

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